terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Crítica de "Anomalisa"

Sabe quando o título do filme dialoga perfeitamente com o seu conteúdo? "Anomalisa" é um clássico exemplo disso; quando o espectador sai da sala de cinema ele realmente vê o verdadeiro significado do título. Isso se deve a uma construção de roteiro bem feita que é extremamente coerente do início ao fim. O filme animado conta a história de Michael Stone, um palestrante motivacional desiludido que encontra a personagem Lisa em um hotel e começa a tentar entender os significados verdadeiros do amor. O título faz uma composição por aglutinação com a palavra "anomalia" com o nome "Lisa". E o motivo de ser tão brilhante é o fato do título ser extremamente autorreferencial. Ora, a animação pode ser considerada uma anomalia, visto que não se vê cinema de gênero desse tipo tão frequentemente. Tratando-se de uma animação, era esperado um espécie de positivismo implícito no longa. Todavia, "Anomalisa" faz questão de desmistificar o significado de animações, e mostra que pode contar um drama existencial de forma sucinta, mas instigante.

O roteiro é escrito por Charlie Kaufman, responsável pelo clássico "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças". É evidente a visão do roteirista sobre o ideal do amor e como todos os clichês românticos são desmistificados aqui. Um recurso interessante usado é o fato de todos os personagens (inclusive mulheres) possuirem um tom de voz muito parecido para o protagonista. Isso faz com que pareça que Michael é desgostoso com a vida e é cansado de uma realidade tão monótona e sem surpresas. Eis que surge a personagem Lisa que o encanta profundamente, principalmente por apresentar um timbre de voz diferenciado. Até aí, mesmo que a ideia seja inovadora, a história estava tomando um rumo previsível. Uma espécie de amor idealizado estava surgindo. Porém, a grande sacada do roteiro, é desmistificar (mais uma vez) a ideia de "alma gêmea". Logo depois do primeiro contato, Lisa vai passando a ter uma voz parecida com a dos outros. E é aí que o escritor tem seu brilhantismo: apresentar que tal ideia de amor perfeito é falha e que a verdadeira felicidade está na capacidade de conciliar relacionamentos, mesmo que monótonos. Afinal, o amor só existe quando existe uma empatia entre o casal, e não por uma paixão momentânea. Tudo bem, é uma visão um pouco pessimista desse sentimento. Mas, é importante que a ideia de Kaufman seja passada, pois assim nós mesmos podemos tirar nossas próprias conclusões sobre o conceito. Esse é o grande mérito do filme: através de metáforas mexer com os ideais do espectador e fazer com que cada um teça seu próprio ponto de vista sobre este sentimento.

A direção é de Kaufman em parceria com Duke Johnson. Trata-se de um trabalho bem competente, visto que o uso do paradoxo é muito bem feito. No início do filme, somos apresentados a um mundo extremamente caricato e com movimentação extremamente artificial. É uma estratégia do diretor de mostrar que claramente trata-se de uma animação. Mas, o que torna o filme tão diferente, é o fato de que com o decorrer do longa, o fato de ser uma animação é simplesmente ignorado. Os conflitos do protagonista são tão introspectivos e tão humanos que realmente imaginamos um ator interpretando toda aquela dúvida e emoção. E é por isso que a direção é tão paradoxal: ao mesmo tempo que o apelo visual ao aspecto animado é forte, a construção dos elementos narrativos é muito humana. Tudo isso remete, novamente, ao fato de ser uma anomalia. Um filme extremamente ousado, que usa e abusa da criatividade para novas experimentações de gênero e estruturas cinematográficas.

O grande fator que faz com que o filme deve ser visto é a inteligência. O espectador é tratado de forma respeitosa e o roteiro não é insinuativo demais. Dessa forma, o público pode tirar suas próprias conclusões sobre o significado das metáforas. E é isso que engrandece tanto o cinema: o fato de cada um ter uma visão diferente e, tratando-se de arte, uma perspectiva sobre o mundo diferenciada. Ninguém é obrigado a ter a mesma opinião sobre amor. E "Anomalisa" preza muito por isso, pois apesar de apresentar seus ideais, mostra que não são valores absolutos. Cada um pode tirar sua própria conclusão, de acordo, também, com sua própria experiência pessoal. "Anomalisa" é um filme que faz jus ao nome, por ser irreverente, metafórico, paradoxal, além de extremamente íntimo e reflexivo.

Nota: 

- Demolidor

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